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10/28/2005

Lelo era o cara

 

            Lelo era o cara. O cara que seus amigos adoravam. Tinha sempre uma boa piada, derrubava sempre os folgados com um único soco e eles terminavam o serviço, sempre ajudava seus amigos, bebia muito, mas nunca caia bêbado. Lelo estava com seus fiéis amigos no bar. Era o bar. A musica eletrônica das rádios tocava em alto volume. Aquela noite seria a noite.

             Uma bela moça entrou em direção ao balcão. Lelo conversava com o barman. Conhecia todos eles. Todos eles o conheciam. A moça se aproximou. A mini-saia deixava a mostra suas coxas, na verdade quase suas pernas inteiras, e faziam Lelo imagina-la sem roupa alguma. "Uma marguerita, por favor". Esperou um momento enquanto o barman preparava o drink. Pagou e voltou para o grupo que formava um círculo na pequena pista de dança. Lelo acompanhou tudo sem piscar. "Essa aí é muita areia pro seu caminhão" deixou bem claro o barman. Lelo saiu do transe. "Ah é?" bebericou mais um pouco de seu uísque escocês. "Eu O cara, mermão. Eu é que sou muito caminhão pra areia dela" e o barman riu como quem diz "tá bom então". Lelo ficou um pouco injuriado com isso. Agora ele estava desafiando.

            Bebericou por mais cinco minutos. Depois colocou o copo no balcão e tomou uma decisão. Pediu duas doses de tequila. Matou logo as duas em menos de um minuto, sem limão nem sal. Levantou e foi, trançando os pés e jogando os ombros alternadamente para frente, como quem tenta deixar o peitoral a mostra, mas o equilíbrio e os braços moles atrapalham. Andou até   moça. Nossa, que bunda, Deus é justo, mas essa mini-saia... Encostou a mão no ombro dela. Ela virou. "Oi. Eu sou o Lelo" ela riu, ele ficou olhando pra ela, fazendo sua melhor cara de galã. "Tá" ela disse. E continuou dançando. Ah... quer dar de durona a menina. Encostou de novo no ombro da moça. "Você não vai ma dizer seu nome?" ela riu de novo. Tava no papo. "Não" ela disse. "O que?"."Eu disse NÃO. Ene, a, ó, til. NÃO." E se afastou do grupo. Ele hesitou alguns instantes e foi atrás dela. "Escuta aqui..." segurou o braço dela e virou a para si. Aquele belo rosto. Aquela boca... Puxou-a para si, tentando beija-la. Ela resistiu "Me larga, seu otário". Uma mão segurou o ombro de Lelo. Depois disso ela sumiu. O cara qe colocou a mão no ombro dele foi para em cima das mesas. E o lugar virou um inferno. Lelo foi pra casa com o olho roxo. Cinco foram para o pronto socorro. O dono do lugar proibiu Lelo de aparecer no lugar de novo. Mesmo assim, Lelo sonhou a semana inteira com aquela garota. A semana inteira. Tinha sonhos que logo viravam pesadelos, e acordava com a mão sobre o olho inchado. Mesmo depois que o olho desinchou, ele ainda sentia ele dolorido.

            Depois de uma semana ele parou de falar nela. Seus pesadelos acabaram, seus amigos o levaram a um puteiro e tudo ficou certo de novo. Foram os duzentos reais mais bem gastos por eles. Depois de um mês, o dono do bar, mas era O bar, deixou eles voltarem a casa. Na primeira noite por lá, ele a viu de novo. Seus amigos o distraíram e ficou por isso mesmo.   O caramba. Passou a noite inteira olhando pra ela e ela evitando olhar pra ele. Na segunda vez foi a mesma coisa. Na terceira noite teria sido igual, se eles não se encontrassem no caixa. Ele pegou o celular que caiu da bolsa dela. De intrometido, por que era para o cara de cú que estava com ela pegar. Foi de propósito, ele entendeu, e fez de propósito também. Ela disse um "oi" minúsculo e foi embora.

            Depois disso Lelo começou a namorar a Cássia, que era um puta loirão. Ele ia no bar com ela. Passava pra lá e pra cá com ela. Ficou com a Cássia três meses, que foi o tempo de descobrir que a Cássia tinha dado pro bairro dela inteiro. Aí ele descobriu que queria comer aquela vizinha dele no aniversário de namoro dos dois. E acabou.

            Encontrou a de novo a garota do bar na fila do banco. Ele trabalhava ali perto. Trocaram outro "oi" minúsculo. Ele pensou cinquenta vezes seguidas em puxar papo com ela, mas ficou com raiva quando se deu conta que ela tinha percebido. Seguiu ela e descobriu que ela trabalhava ali perto também. Em uma semana já estava comendo no restaurante dela. Seus amigos o levaram de novo para o puteiro, mas ele ficou só no balcão, com suas cervejas. O Lelo estava ficando velho. O Lelo tinha batido a cabeça na ultima briga, melhor levar ele no médico. O Lelo ta ruim de grana, mas é orgulhoso demais pra admitir. "Pode falar Lelo, o que você tem?". O Lelo tava cansado. Queria um emprego melhor, queria fazer um mestrado. "Ah, ta Lelo. Agora vem cá, deixa eu te apresentar uma prima..." e riu. Lelo riu um riso amarelo de hospital e conheceu a tal prima.

            Passou um mês. Lelo já sabia a comida preferida da moça. Lelo não ia mais no bar. Agora só gente metida ia no O bar. Foi nesse mês que tudo mudou. Lelo ganhou uma maquina de café expresso usada do seu patrão, que era também seu tio de segundo grau. Saiu feliz da vida. Não tomava café, mas seu pai adorava café expresso. Encontrou a moça enquanto carregava ele pro carro. Trocaram outro "oi" minúsculo. Ele guardou o trambolho, já pensando em como iria contar a história pra todo mundo: para seu pai, para sua mãe, para seus amigos e, quem sabe, para a moça do bar. Mas uma gritaria acabou com seus devaneios. Olhou em direção a rua. Um fulano duas vezes maior que ele gritava e estapeava a moça do bar. Ele foi até lá. Ela estava chorando. "Tá tudo bem?". Mas ela não respondeu. Quem respondeu foi o grandão. Também foi o grandão que voou até o meio da rua quando aquele nanico tomou a palavra. O nanico era O cara. Chamou   ambulância, por que o nariz da moça estava sangrando. A moça achou isso uma gracinha. A ambulância levou o grandão.

            A moça chamava Teresa, o mesmo nome da mãe dele. Teresa gostava de lasanha. A melhor lasanha do mundo era a da mãe dele. Teresa tinha um lindo sorriso. Ele não era tão idiota assim. Teresa achou que ele estava machucado, mas era só uma cicatriz antiga. Teresa foi almoçar com ele, depois que saíram da delegacia. Marcaram no dia seguinte. Teresa chegava pontualmente três minutos atrasada em todos os dias seguintes. Teresa aceitou ir com ele em um bar novo. Era O um bar. Teresa começou a namorar com ele naquele dia. Era O dia. Na verdade era A noite. Teresa estava com frio. Ele esquentou Teresa e Teresa o esquentou. Teresa o esquentou o mês inteiro. Teresa era A mina.

            Teresa adorou a lasanha de Teresa, mãe dele. Teresa adorava coisas que ele nem tinha idéia que existia. Teresa gostava um pouquinho dos amigos dele, mas, ah... Teresa era uma gracinha, mas não era italiana. Teresa era bem arrumada. Era estudiosa, estudava administração na PUC. Teresa gostava de livros e de rock, mas não mesmo rock que ele. Teresa odiava futebol, mas assistia quando tinha jogo do Cruzeiro, o time dele. Teresa acabava com a graça do jogo. Teresa gostava dos mesmos filmes que ele. Passaram três meses vendo filmes, comendo lasanha, esquentando um ao outro e, de vez em quando, assistindo o jogo do Cruzeiro. Uma vez foram ao estádio, mas ele ficou bêbado e quebraram uma garrafa na cabeça dele. Nunca mais foram no estádio.

            Lelo foi buscar Teresa para saírem. Teresa estava com A mini saia. Aquela mini saia. Lelo disse você vai a mini saia fica. Teresa disse então eu vou e minha roupa fica. Lelo disse que só gravador e papagaio ficam repetindo coisas. Teresa disse que ele era um papagaio, porque ficava repetindo milhares anos de machismo. Lelo ficou ofendido. Teresa reafirmou tudo, era tudo verdade. Lelo falou pra ela não falar assim com ele. Teresa disse que era tudo culpa do pai dele. Lelo avisou, não fale assim com ele. Lelo avisou, deixe o pi dele fora disso. Teresa disse que na verdade era tudo culpa da mãe dele. Teresa disse que a mãe dele era uma ótima pessoa, mas mimou demais o queridinho. Lelo falou que ele não era mimado porra nenhuma, ele trabalhou desde os dez anos. Teresa falou que ele era muito burro mesmo. Lelo falou que ele era burro porque estava com uma vaca. Aí virou um curral. Depois virou uma fazenda. E se a polícia não chegasse virava uma floresta. A polícia chegou e a bicharada dispersou.

            Lelo sentia raiva. Muita raiva. A raiva. Trabalhou um dia. Acordou com dor no olho no dia seguinte. Lelo foi no médico. Mas não era O médico. O doutorzinho mandou ele para o psicólogo. Disse que era O psicólogo. Lelo riu. Lelo era O louco? Lelo mandou o medico para O lugar. Lelo foi para um bar minúsculo. Sentiu seu coração minúsculo. Era A dor. Os amigos levaram Lelo para o puteiro. Lelo conheceu muitas primas distantes. Cada dia conhecia uma prima mais distante. Nesse mundo só tinha prima. Lelo só via prima.   

            Um dia Lelo foi para casa e Teresa estava morta. Teresa, sua mãe. Lelo, seu pai, estava no telefone. Enterraram Teresa no dia seguinte. Fizeram missa muitas vezes. Quando voltou do enterro, Lelo ligou para Teresa. Falou um "oi", mas não foi um "oi" minúsculo, foi um "oi" antes do choro. Chorou a noite inteira. Teresa chorou um pouco.

            Quando o dia amanheceu, Lelo foi trabalhar, Teresa foi descansar. Teresa casou com o cara de cu, que era de quem ela gostava de verdade. Nunca mais se viram. Lelo estava lendo Carlos Drumond de Andrade quando viu Ana Rosa na fila do mercado, amor a primeira vista. Foi tiro e queda. Bala perdida. Ana Rosa caiu morta, Lelo ficou deprimido.

Ora viva o amendoim.



-- psicografado por .^.dkn.^. às 10/28/2005 03:54:00 AM 3 comentários